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Só 16% das empresas dão formação obrigatória aos trabalhadores

05 Ago

Em 2019 as empresas passaram a ter de cumprir 40 horas de formação, em vez das 35 horas mínimas que existem desde 2003, mas a maioria não as executa. Governo assinou “acordo histórico” na semana passada e admite benefícios fiscais para quem vá além da lei

O Governo assinou na semana passada com os parceiros sociais um “acordo histórico” para a formação profissional mas, se a história se repetir, o “desígnio estratégico”, como foi apelidado no aperto de mão, terá parcos resultados. Apesar de há vários anos as empresas serem obrigadas a dar um número mínimo anual de formação aos seus trabalhadores, são poucas as que acabam por fazê-lo – tal como são escassas as multas aplicadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho.
 
SÓ ENTRE 16% A 21% DAS EMPRESAS DÃO FORMAÇÃO ANUAL AOS TRABALHADORES
 
Os dados deixam pouca margem para dúvidas. O Código de Trabalho (artigo 131º) determina desde 2003 que o empregador está obrigado a “promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa” e para o fazer deve assegurar a cada trabalhador o direito à formação individual, através de um número mínimo de 40 horas anuais de formação, na empresa ou em entidades externas. Contudo, o Relatório Anual da Formação Profissional, do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (GEP/MTSSS), mostra que em 2019, a taxa de participação dos trabalhadores nestas ações de formação não chegava a 37% e, mais, a média de horas frequentadas era de 32,6, aquém das 40 definidas por lei. O número de empresas foi igualmente modesto: só 16,3% dos empregadores ministraram formação.
Recuando no calendário é possível encontrar anos em que se encontram melhores resultados mas, ainda assim, o ano de recordes foi 2017, altura em que 21% das empresas do país garantiram formação a 1.169 mil trabalhadores, o equivalente a 42% do total da força de trabalho.
 
MAIORIA DOS TRABALHADORES NÃO CHEGAM A TER AÇÕES DE FORMAÇÃO
 
36 INFRAÇÕES, 56 ADVERTÊNCIAS
O número de horas de formação definidas como obrigatórias por lei foi evoluindo ao longo dos anos. “Quando a regra integrou o Código do Trabalho, em 2003, eram 30 horas anuais, em 2006 o aumentou para 35 e desde 2019 foram definidas as 40 horas semanais”, explica o advogado da Antas da Cunha Ecija, Pedro da Quitéria Faria. O não cumprimento do limiar mínimo de formação definido pelo Código do Trabalho “é considerado uma contraordenação grave” com coimas que podem variar entre os 612 euros e os 9.690 euros. Mas é raro acontecer, sinalizam os juristas.
 
A competência de fiscalização nesta matéria é da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que pode atuar por iniciativa própria ou por denúncia do trabalhador. Mas, diz Pedro da Quitéria Faria, “não é habitual promoverem-se ações inspetivas apenas e só com esta motivação”. O advogado diz não conhecer nenhum caso em que a ACT tenha intervindo numa empresa exclusivamente devido ao incumprimento da obrigatoriedade de garantir a formação profissional aos trabalhadores. “O que acontece normalmente é que a ACT vai ao local por qualquer outra razão e acaba por identificar também esta infração”.
 
Segundo dados oficiais da ACT, diz que os empregadores comprovam as escassas penalizações. Segundo adiantou ao Expresso fonte oficial da entidade, “desde 2017 e até 30 de dezembro do corrente ano foram autuadas 36 infrações relacionadas com o incumprimento das disposições do Código do Trabalho em matéria de formação (nomeadamente os artigos 131.º e 133.º). Foram ainda feitas 56 advertências e uma notificação para tomada de medidas”. Apesar de os números oficiais não irem de encontro a esta perspetiva, a ACT garante que “a formação tem sido crescentemente valorizada pelas entidades empregadoras, que caminham para uma maior regularidade nesta temática”.
 
O advogado Américo Oliveira Fragoso, da sociedade Vieira de Almeida, corrobora mas sinaliza que “a fiscalização desta matéria não é linear porque a própria lei prevê que a empresa possa, na cessação de contrato fazer o acerto de contas com o trabalhador pelos créditos de horas de formação”. Ou seja, a empresa só está plenamente em incumprimento se não assegurar a formação e, no fim do contrato, não compensar o trabalhador por isso.
 
AS HORAS MÉDIAS DE FORMAÇÃO ESTÃO ABAIXO DO MÍNIMO A QUE O TRABALHADOR TEM DIREITO
 
HORAS NÃO CUMPRIDAS DÃO LUGAR A COMPENSAÇÃO
A formação que não seja ministrada ao trabalhador pode ser convertida num crédito de horas que pode, ao fim de dois anos, ser utilizado pelo trabalhador para frequentar ações de formação por si propostas. Além desta possibilidade, caso saia da empresa, o trabalhador tem direito a receber uma compensação pelas horas de formação em falta. Tem, no entanto, de o requerer à empresa e “tem até um ano após a cessação de contrato para o fazer”.
 
No âmbito do Acordo para a Formação e Qualificação, assinado na passada quarta-feira com a UGT e as confederações patronais, o Executivo quer aumentar a abrangência da formação continua garantida pelas empresas. A meta é que anualmente, 60% dos adultos em idade ativa - dos 25 aos 64 anos - estejam envolvidos em ações de aprendizagem ao longo da vida e, em paralelo, promover a qualificação em competências digitais de 1 milhão 145 mil adultos e 30 mil jovens. Para isso estuda, entre outras medidas, a criação de um “enquadramento fiscal mais favorável” para as empresas que ultrapassem as 40 horas anuais de formação previstas na lei, bem como para as pequenas e médias empresas, e uma licença específica para os trabalhadores que queiram melhorar as suas qualificações.

Fonte: Jornal Expresso

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