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ENTREVISTA HUGO SANTOS MENDES – SECRETÁRIO DE ESTADO DAS INFRAESTRUTURAS

14 Set

Investimentos nos portos e na ferrovia reforçam competitividade na Península Ibérica

Em entrevista à Revista APAT, Hugo Santos Mendes, secretário de Estado das Infraestruturas, faz o ponto da situação dos investimentos previstos e em curso nos portos e na ferrovia para alargar o hinterland dos portos e das empresas e aumentar a sua competividade, desde logo, na Península Ibérica.
 
APAT - Por causa da crise, mas não só, outros países europeus, e desde logo Espanha,
anunciam programas de apoio à modernização dos transportes e de promoção à transferência modal das cargas, da rodovia para a ferrovia e para o transporte marítimo. O Governo tem planos nesse sentido?

Hugo Santos Mendes - Tanto as Administrações Portuárias dos portos comerciais quanto a Infraestruturas de Portugal (IP) têm vindo a trabalhar de forma integrada no sentido de garantir, não só a manutenção mas também a evolução tecnológica e o aumento de capacidade instalada ao nível das nossas infraestruturas para potenciar o transporte por meios menos poluentes e mais eficientes, com foco claro na transferência modal.
O Plano Ferroviário Nacional, que esteve até há pouco tempo em discussão pública, é um dos instrumentos de planificação particularmente importantes nesta temática.

Ao mesmo tempo, temos vários investimentos em curso ao nível ferroviário que, em conjugação com o que estamos a fazer ou já temos projetado nos nossos portos, nos permitirá fazer comboios de maiores dimensões, a usar vias mais seguras, fiáveis e resilientes, beneficiando de uma nova situação na infraestrutura que os tornará economicamente mais competitivos, ao alargar a área de influência dos nossos portos e empresas.

Assim, Leixões está a avançar com o projeto do Porto Seco da Guarda, que arrancará definitivamente logo que as obras na Linha da Beira Alta estejam concluídas. Por outro lado, passará a gerir o terminal da IP junto a Leixões, uma infraestrutura que irá melhorar também significativamente a eficiência da operação de transferência modal em Leixões. A isto devemos somar os projetos de construção de um novo terminal em Leixões, devidamente integrado com a ferrovia e que, mais a médio prazo, irá permitir a Leixões reforçar o seu relevo, em particular, no centro-norte da Península Ibérica.

Já o Porto de Aveiro conseguiu um apoio muito importante, através de uma candidatura bem sucedida junto da Connecting Europe Facility que viabilizará, juntamente com recursos próprios do porto, a implementação do seu terminal Intermodal, num investimento total de cerca de €16 milhões. Este projeto permitirá aos operadores do porto construírem comboios de 750 metros, aumentando significativamente a capacidade da operação, tornando-o
comercialmente mais interessante, e colocando Aveiro como uma opção válida para servir o país, mas também a região central da Península Ibérica.
Por outro lado, em Setúbal estamos a avançar com a modernização e reforço da ligação ferroviária, que irá permitir que o Porto de Setúbal aumente a quota de tráfego por via ferroviária e oferecerá mais uma opção fiável e eficiente para movimentação de cargas.
Mais a sul, o Porto de Sines irá beneficiar de forma muito expressiva de todos os investimentos em curso no corredor internacional sul, projetando-se que a viagem de mercadorias até Espanha seja encurtada em cerca de três horas, o que, juntamente com os investimentos de expansão da capacidade ferroviária dentro do próprio porto, constituirão uma alteração muito favorável da sua competitividade a nível ibérico.

Finalmente, no PT2030 temos destinados €118 milhões para os Portos do continente, abrangendo vários investimentos centrados na transferência modal. Um dos mais emblemáticos será um investimento que orçará globalmente em cerca de €45 milhões e que irá garantir a navegabilidade do Estuário do Tejo até Castanheira do Ribatejo, com construção de um terminal de granéis a montante, e que constituirá, na prática, uma nova via
navegável (já reconhecida na proposta recente da Comissão Europeia no âmbito da revisão da Rede Trans-Europeia de Transportes (RTE-T)). Esta via permitirá retirar muitos camiões das estradas, com a redução de emissões de gases de estufa e do risco de sinistralidade. Mas poderia ainda citar o investimento na Estação Intermodal de Leixões, nas novas acessibilidades no Porto da Figueira da Foz ou na Zona Leste do Porto de Sines.
 
APAT - A concretização do Ferrovia 2020 está atrasada. A atual crise ameaça mais derrapagens em termos de prazos e de custos. O que é o que o Governo tem previsto para garantir a conclusão do plano o mais rapidamente possível e com o mínimo de prejuízos para o transporte de mercadorias? A Linha da Beira Alta estará encerrada nove meses...

Hugo Santos Mendes - O impacto da atual crise na execução dos projetos em curso e nos que se perspetivam é uma preocupação grande do governo. Tanto assim é que no conselho de ministros do passado dia 12 de maio o governo estabeleceu um regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos. Este diploma procura criar condições para que aumentos excecionais dos custos com matérias-primas, materiais, mão-de-obra e equipamentos de apoio não comprometam a execução dos contratos nem criem extensos períodos de renegociação ou de litigância entre as partes.

Por outro lado, como referi, os nossos Portos estão focados, por exemplo, em antecipar o dia seguinte ao da retoma sem restrições da operação na Linha da Beira Alta. Uma das formas de reduzirmos o tempo entre o investimento e os seus reflexos passa precisamente por reforçar a coordenação e planificação integrada. É por isso que vamos avançar com o terminal intermodal de Aveiro, e é por isso que atribuímos recentemente a gestão do terminal ferroviário da Guarda ao Porto de Leixões para o capacitar para implementar o Porto Seco da Guarda, que deverá ganhar expressão precisamente quando a IP libertar o seu estaleiro de apoio à obra da Linha da Beira Alta.
Por outro lado, não sendo o ideal, houve o cuidado de alinhar o início da obra na Linha da Beira Alta com a conclusão da modernização da Linha da Beira Baixa, que supletivamente será uma alternativa disponível e fiável durante o período de restrições a norte.
 
APAT - O que falta para ser lançado o concurso para o segundo terminal de contentores de
Sines? Outros portos vizinhos continuam a aumentar a sua capacidade...

Hugo Santos Mendes - Mas Sines também está a aumentar a sua capacidade: está em curso a obra de expansão do Terminal XXI, conforme articulado com o respetivo concessionário, a PSA, um dos maiores operadores portuários do mundo. Falamos de um investimento que irá quase duplicar a capacidade de operação de carga contentorizada, de 2,3 milhões de TEU/ano para 4,1 milhões de TEU/ano, algo muito relevante, não só à escala de Sines mas à escala nacional.

Por outro lado, muito recentemente, a APS atribuiu a concessão do TMS, por 20 anos, após concurso público (tendo havido vários operadores interessados na sua exploração, o que atesta o interesse manifestado). Até aqui conhecido pelo terminal do carvão, este terá necessariamente um modelo de negócio e de operação muito diferente daqui para a frente.

Quanto ao futuro Terminal Vasco da Gama, sabemos que este implicará um compromisso mais significativo e volumoso por parte do futuro investidor, situação que exige prudência na procura do momento ideal para colocar a concessão no mercado. Temos tudo pronto: as peças legislativas, o caderno de encargos, os termos de avaliação das propostas. A decisão está estritamente dependente da identificação do momento ideal que, convenhamos,
dificilmente é aquele que coincide com o início de uma guerra no continente europeu e em cima de um contexto ainda muito desafiante ao nível do transporte marítimo e de toda a cadeia logística.
Como é público, após uma primeira tentativa em boa medida penalizada pela pandemia, atualizámos os termos da concessão no sentido de dar maior flexibilidade ao futuro concessionário para melhor adaptar o ritmo de expansão da concessão à realidade económica, reduzindo as obrigações de investimento e dilatando prazos. Estamos a avaliar em permanência o clima internacional para este tipo de negócios e atentos às indicações que vamos obtendo junto dos operadores internacionais quanto à predisposição de investimento face ao atual cenário de especial incerteza.
 
APAT - Para quando o lançamento do concurso para o terminal de contentores de Leixões? 

Hugo Santos Mendes - De momento, o que posso garantir é que a Administração do Porto de Leixões está ativamente empenhada em criar as condições para o lançamento do novo terminal de contentores de Leixões, munindo-se de informação crítica para a tomada de decisão, desde estudos de procura, identificação de opções alternativas para o modelo de negócio, obtenção de declaração de impacte ambiental, entre outros. O processo está a avançar ao ritmo que uma boa decisão exige.
 
APAT - Dada a importância dos portos secos e plataformas de articulação com os portos, a
ferrovia e o hinterland, o Governo pondera revisitar o programa Portugal Logístico?

Hugo Santos Mendes - Referi há pouco o que o Porto de Leixões está a fazer e irá implementar na Guarda, e já referi alguns dos vários investimentos na expansão portuária associados à intermodalidade, como em Aveiro, também em Leixões. Setúbal está a modernizar e reforçar a capacidade ferroviária do seu porto, estando a conseguir captar para a sua área de influência alguns dos maiores investimentos nacionais na área da transformação e energia – só possível pelas valências, conectividade e interoperabilidade disponíveis. Posso acrescentar que em Sines, além do impacto que o investimento na ferrovia terá inevitavelmente na expansão do seu hinterland, estamos a desenvolver esforços para podermos receber nas estruturas atuais, mas também em novas áreas de expansão, os vários investimentos que se projetam para a região e que terão no Porto de Sines a peça estruturante.
Na região de Lisboa contamos apostar no desenvolvimento de uma nova zona logística de apoio à atividade portuária em Castanheira do Ribatejo, completando o desenvolvimento da via navegável.

Do ponto de vista digital, a Janela Única Logística, já muito próxima da implementação global em todos os Portos, é hoje uma das fontes de melhor articulação e gestão eficiente para os mais variados operadores que têm atividade portuária sendo já um motivo de atratibilidade da oferta logística nacional. E a cada momento as administrações portuárias, em articulação com os agentes de mercado, estão atentas ao mercado em que se inserem e em busca de oportunidades de expansão.
Com isto quero dizer que fará sempre sentido ir aferindo da coerência global e incutir um sentido de cooperação e reforço da competitividade face ao exterior, bem como de reforço da resiliência da oferta da operação logística nacional. A execução e os projetos estão aí para o demonstrar. Destaco ainda que, desde 2013, essa reflexão tem vindo também a ser patrocinada a nível europeu, no seio da RTE-T, e que se encontra atualmente em revisão com a natural participação de Portugal e demais estados-membros. O Corredor Atlântico da RTE, de que Portugal faz parte, oferece uma coerência e uma interligação internacional crítica para conferir sustentabilidade e sucesso a muitos dos investimentos na infraestutura logística e no desenvolvimento económico nacional.
 
APAT - Face às dificuldades que se multiplicam, e que impactam não apenas nos transportes
mas em toda a economia, o Governo está disponível para acolher a proposta da APAT de criação de um grupo de trabalho para estudar e implementar cadeias de abastecimento mais resilientes?

Hugo Santos Mendes - O Governo tem demonstrado sempre o interesse e a disponibilidade para auscultar e construir caminho com todos os agentes públicos e privados envolvidos na economia nacional. A APAT tem sido um desses interlocutores, especialmente relevante no âmbito das competências do Ministério das Infraestruturas e Habitação, pelo que estamos disponíveis para definir a melhor forma de articulação para abordarmos os desafios da resiliência das cadeias de abastecimento.
 
 
 

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