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O presente e o futuro da Rede Ferroviária Nacional com o PFN

20 Jul
Respondendo ao desafio lançado pela ADFERSIT em que nos foi pedido para enumerar as expetativas que têm os Transitários Portugueses com o PFN e como se posiciona a APAT enquanto associação nacional que que possui legitimidade para filiar e representar as empresas que se dedicam à atividade transitária, entendida esta como a planificação e organização das operações relativas ao transporte internacional de mercadorias, atividades logísticas complementares e sua distribuição, relativamente ao mesmo.

Relativamente ao presente todos conhecem a (in)evolução que a quota de mercado que o transporte de mercadorias por via ferroviária tem, porque não cresce e porque ciclicamente se mantém inalterada, nomeadamente na península Ibérica. Em Portugal uma das razões apresentadas sempre foi o mercado pequeno, poucos operadores e um mercado pouco competitivo por falta de concorrência. Em Espanha há cerca de uma dezena de operadores ferroviários de mercadorias e os números mantêm-se praticamente iguais ao período em que apenas havia o operador incumbente. Diria que a principal razão tem que ver com flexibilidade do transporte rodoviário, da excelência da infraestrutura, a existência de um quadro regulatório e legal mais favorável, que lhe permitiu ser muito competitivo.

Vejamos o estado da arte em 2013 segundo o Tribunal de contas europeu segundo dados do Eurostat:


Apesar dos esforços da UE na criação de mecanismos de apoio ao incremento do transporte ferroviário a verdade é que este concorre diretamente com o transporte rodoviário de mercadorias: os carregadores comparam regularmente os dois, antes de decidirem o meio de transporte a utilizar e naturalmente optam por aquele que melhor satisfaz as suas exigências, tendo sobretudo em conta a fiabilidade, o preço, o serviço ao cliente, a frequência e o tempo de transporte. Por outras palavras, os carregadores escolhem os meios de transporte em função de critérios comerciais e não das prioridades políticas da UE.

No quadro infra podemos igualmente notar que entre 2011/2016 a quota continua com uma trajetória descendente:


enquanto a quota da rodovia cresce proporcionalmente.

Se o transporte ferroviário é:


e se UE já investiu desde 2014, 35 mil milhões de €s, o que é que aqui não bate certo?

Provavelmente cientes destas dificuldades em janeiro de 2021 assinalou-se o início do Ano Europeu do Transporte Ferroviário. Esta iniciativa da Comissão Europeia irá salientar os benefícios do transporte ferroviário enquanto meio de transporte sustentável, inteligente e seguro. O objetivo será incentivar a utilização do transporte ferroviário pelos cidadãos e pelas empresas e de contribuir para a consecução do objetivo do Pacto Ecológico da UE de neutralidade climática até 2050. Mas mais uma vez não será devido apenas à retórica que as empresas elegerão a ferrovia para parceiro e é evidente que tem de se passar aos actos e não ficar apenas nas palavras.

Quero acreditar que por estas circunstâncias nasce a necessidade de um PFN que será um documento estratégico e para o qual devia ser feito um pacto de regime entre todos os sectores da sociedade, que após formalização final, o mesmo deveria ser cumprido, evitando assim outros 30 anos de abandono.

Quando analisamos o “projecto” do PFN não vislumbramos infraestruturas orientadas para o transporte de mercadorias, sendo muito vago o seu conteúdo. Apenas ficamos a saber que o mesmo se dirige para uma maior “articulação intermodal”, apostando em terminais logísticos, autoestradas rolantes, caixas móveis e ligação aos portos.

Esta mobilidade de mercadorias mais sustentável requer acções concretas para reduzir a necessidade de viagens e em muitos casos reduzir as distâncias, incentivar a transferência modal, e encorajar a mais eficiência no sistema de transportes.

Portugal assenta muito a sua actividade de transporte de mercadorias na rodovia, o que é natural pois as condições da nossa rodovia são das melhores na Europa. Penso que o que se pretende não é “diabolizar” um modo em detrimento de outros. O que se pretende é haver uma coexistência mais assente em cooperação. A utilização de UTI’s (caixas móveis) adaptadas aos novos desafios e tipologias de cargas, que podem circular de igual forma na rodovia e na ferrovia, mais terminais rodo-ferroviários, alguns incentivos e uma mentalidade mais “verde”, permitirão igualmente potenciar o modal shift e, com isso, esperar mais sustentabilidade ambiental.

Coincidência ou não, são precisamente alguns aspetos que a APAT tem vindo a defender insistentemente por várias formas. Não basta ter excelentes vias (linhas) se depois não temos condições de carregar/descarregar e compor comboios competitivos, mais pesados e compridos (750m), associado ainda a regularidade, frequência, preço, concorrência e segurança, que são factores determinantes para a sua competitividade e assim promover a sua elegibilidade, aliciando carregadores e clientes para a sua utilização.

Ainda por estas razões na APAT temos insistentemente defendido a necessidade de serem estudados corredores logísticos, vocacionados para a carga. No nosso entendimento Portugal deveria ter 5 (no eixo estruturante da RFN) +2 (fronteiriças) principais plataformas que conectassem as principais regiões geradoras de tráfego, devendo ser complementadas por uma outra rede de plataformas adicionais (estas, maior parte delas já existentes). Uma combinação entre infraestrutura rodoviária e ferroviária e terminais de qualidade, ligará as regiões da sua influência a mercados estratégicos, promovendo o acesso fácil e permitindo atingir com maior capilaridade outros países, como a Espanha e o Centro da Europa.

O que a APAT defende com a criação destes corredores logísticos é que se conectem entre si através destas plataformas e que simultaneamente possam conectar estas plataformas através de si. Estes vínculos não podem ser apenas ao nível das infraestruturas mas também da infoestrutura, pois muitas vezes são problemas, chamados administrativos, que retiram competitividade ao processo logístico.

O segredo será posicionamento, posicionamento e posicionamento. Para um país da dimensão de Portugal não devemos ter plataformas a cada 20 Km, mas em locais com um raio de acção maior, que consigam cobrir o território nacional e simultaneamente as regiões geradoras de maior volume de carga, quer seja produzida/consumida em Portugal ou em trânsito. Um posicionamento estratégico e privilegiado e com fáceis acessos também a aeroportos, o terminal pode conjugar volumes de cargas de diferentes naturezas, promovendo toda a cadeia logística evitando desperdícios de meios promovendo mais rentabilidade e maior competitividade.

Entendemos ainda que deviam ser definidas políticas publicas que potenciassem a intermodalidade, não dizemos que deve ser o estado a construir as infraestruturas, pois entendemos que há que ver o que existe e de que forma se pode conciliar os interesses do privado e do publico. Não será do interesse publico (nacional) termos uma boa rede logística de base ferroviária?

A definição das redes, dos nós e dos fluxos é um tema de particular importância para os transportes, em geral, e para a intermodalidade, em particular. Algumas perspectivas sobre os problemas de planeamento e rotas em sistemas de transporte intermodal de mercadorias fazem parte das políticas mais vezes apontadas para um sistema de transporte mais sustentável.

Um dos maiores problemas na definição de redes tem que ver com a localização e a caracterização dos “nós” ou hubs, e normalmente os fluxos de transporte são condicionados pelos seus “nós” (botlenecks) de origem e destino, e pelas características das ligações entre eles.

Estar integrado numa rede é também uma maneira de superar os desafios no domínio do desenvolvimento de novos serviços, resolvendo problemas complexos, proporcionando mais criatividade e uma maior focalização no cliente, em simultâneo com a divisão dos custos e a minimização dos riscos.

Por fim, este PFN deveria assegurar a integração do modo ferroviário nas principais cadeias logísticas nacionais e internacionais de forma equitativa, isenta e independente, garantindo condições de concorrência e competitividade elevada ao País e às respetivas empresas.

Este movimento sinérgico pode ainda atrair a indústria, os serviços e a logística, para se instalarem no terminal, beneficiar e criar dinâmicas e sinergias de excelência, assim como emprego, fixação de pessoas promovendo mais coesão nacional.

Eram estas as nossas expetativas, mas…
“Doze meses é o tempo determinado no diploma para a elaboração do Plano Ferroviário Nacional. Mas o Governo admite que seja “prorrogável por uma vez, por um período máximo de 12 meses”. O que poderá atirar para Junho de 2023.” (fonte: Transportes e negócios)

Doze meses que vão ser 24 é muito tempo. É muito tempo para que se recupere 30 anos? Compreendemos a necessidade do tempo, mas também pensamos que seria possível criar grupos de trabalho multidisciplinares, vocacionados para o transporte de bens e mercadorias e iniciassem de imediato a definição da rede ferroviária nacional de mercadorias que pretendemos ter.

A título de exemplo, hoje deparei-me com esta notícia “Nace la Alianza Europea para convertir Aragón en un nudo de corredores ferroviarios que conecten Europa y África”, ora quer-me parecer que Aragon (Zaragoza) pretende ser o hub ferroviário da Península ibérica, o que significa que em Espanha já se trabalha na definição destes corredores logísticos, impactem ou não nos “corredores ferroviários” definidos pela UE.

Ou têm lido o que a APAT tem comunicado, ou têm uma perceção muito semelhante de como se pode fazer crescer a quota de mercado do transporte ferroviário de mercadorias, na nossa opinião, claro.
Terminando, resta afirmar que o PFN será o instrumento que definirá se o transporte ferroviário é o transporte do futuro ou não, em Portugal.

11 de Julho de 2021
António Nabo Martins
Presidente Executivo da APAT – Associação dos Transitários de Portugal

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